sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

SÓ CHUVA, NÉ?

Por Carlos Correia Santos

A sutileza dos costumes é certamente o mais infalível dialeto da comicidade. Poucas coisas falam mais do ser humano que o discreto hábito da repetição. Sobretudo com relação ao repetir “aquilo que parece inevitável dizer”. Um bom exemplo disso? A chegada do inverno em Belém do Pará. Tempo fechado de manhã, de tarde, de madrugada. O resultado? Ninguém fala mais “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”. Quem mora em Belém bem pode fazer o teste. Você sai cedinho para o trabalho, o toró ali, implacável. De repente, cruza com aquele vizinho, velho conhecido. E qual é o primeiro pai-nosso que o sujeito lhe diz? “Bom dia”? “Olá, tudo bem”? “Como vai a família”? Não. Claro que não! A tirada certa é: “Só chuva, né?”. Então, o fato é esse! Basta o inverno chegar e o cumprimento oficial da cidade se torna: “só chuva, né?”.

Você está lá, na parada, esperando o ônibus – que certamente passará lotado –, compenetrado no excitante exercício de se proteger do banho que pode levar por causa da poça d’água em frente... Subitamente, um colega de infortúnio resolve ser simpático e o aborda com o  indefectível: “só chuva, né?”. Chega o ônibus, fecha-se o guarda-chuva –  aquela molhadeira –, entra-se com pressa no coletivo. Aquele festival de gente úmida. Mas muita gente úmida mesmo! Você se segura numa das barras e uma moça ao lado decide puxar papo: “só chuva, né?”. A resposta? O que mais além de um risinho entediado?

O ônibus passa da parada. Você tem de empurrar uns e outros para descer. Finalmente, desce, mas só consegue abrir o guarda-chuva depois de uns cinco minutos. Corre, chega ao prédio em que trabalha. Está passando pela portaria e o vigilante faz questão de ser cordial: “só chuva, né?”.

Por mais que tenha tentado evitar, você acaba chegando atrasado em sua sala, encharcado, a um triz de virar sopa. E qual é a primeira coisa que lhe diz seu companheiro de repartição? “Só chuva, né?”.

Você senta a sua mesa – logicamente após ter arranjado um cantinho em que deixar o guarda-chuva aberto – toma fôlego para começar a jornada e... toca o telefone. Você atende. Do outro lado, no lugar do famoso alô, o que se ouve? “Só chuva, né?”. Trata-se da secretária de seu chefe. Após a célebre saudação, ela explica que o todo-poderoso quer vê-lo com urgência. Você não pode perder tempo. Chega na sala do homem esbaforido e, pasmem, pela primeira vez é cumprimentado de forma diferente: “Isso são horas, meu amigo? Assim não dá!... Tá pensando o que? Aqui não é casa da mãe Joana, não!”... Você tenta argumentar de todas as formas. Mas, sempre que faz menção de abrir a boca, é interrompido. O chefe continua sem piedade: “Eu tô avisando: mais um atraso desses e é rua! Rua mesmo! Aqui não tem lugar pra espertinho, tá entendendo? Ou quer trabalhar; ou não quer trabalhar”. E você tentando falar. “Dez minutos de atraso! Isso é um absurdo! Como é, meu amigo? Você não tem nenhuma explicação pra me dar? Vai ficar aí com essa cara de parvo?”. É a deixa. Finalmente lhe é dada a chance de se defender. Então, você solta a pérola “Sabe como é, doutor... Só chuva, né?”.



segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

MICROCONTO MÓRBIDO 01

Por Carlos Correia Santos

A verdade zumbi... era que ele saboreava um imenso prazer de ir a velórios. E quando, com voz mole e quase quentinha, chegava junto aos familiares para dizer  “eu sinto muito...” guardava só para si, com invisíveis risos, o resto da frase: “...tesão de ver vocês sofrendo assim” 

domingo, 2 de fevereiro de 2014

PEQUENA CARTA PARA MEUS IMENSOS MESTRES

Por Carlos Correia Santos

Hoje, subindo o elevador do prédio em que moro, coincidentemente encontrei minha Professora de Português no ensino médio (acho que nem se chama mais assim). Professora Amélia. Tão temida e tão respeitada quando eu era um garoto. Também por coincidência, eu trazia comigo um exemplar de VELAS NA TAPERA. Tive, então, uma das mais belas oportunidades da vida.

- Professora (sim, eu para sempre vou chamá-la desta linda forma), este é um dos meus livros...

- Eu sei, Carlos. Vi no jornal matéria a respeito.

- Pois bem, eu já lancei essa obra aqui, em outras cidades, em Portugal.

O riso amplo da mestra e sua confissão:

- Eu sei também. Fico tão feliz. Sempre que vejo notícias suas na mídia, falo: ele foi meu aluno. Tem gente que não acredita.

- Pois eu faço questão de sempre dizer para todo mundo: a sintaxe da minha literatura tem o carimbo da fantástica Professora Amélia.

Ela se emociona. Eu me emociono. Chega meu andar. Vou saindo. E ela:

- Parabéns por tudo, Carlos. Tenho muito orgulho mesmo de ter colaborado com tua história.

E eu:

- Obrigado por tudo, Professora Amélia. Infinito e imenso obrigado por tudo.

Por tudo... Por cada sílaba que me ensinou a escrever melhor. Por cada bronca em prol do melhor de mim. Por cada nota que deu para que hoje eu pudesse orquestrar meus textos.  Por tudo.


Meus amados professores, obrigado a todos vocês. Permita-me Deus ainda encontrar um a um e agradecer. As mãos de todos vocês acarinham e dão rigor e precisão a minha quando escrevo. Sou um pouco do muito de vocês que segue páginas afora. Obrigado.  Muito obrigado.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

MINI CRÔNICA DE DOR POR MEUS LPS













Por Carlos Correia Santos

Ódio disso!!!! Eu tinha quilos de LPs. Aí a indústria fonográfica, nos idos dos anos 90, impõe: "Jogue tudo fora! De agora em diante, só os CDs terão espaço em vossas almas e orelhas!". Ainda resisto, passo uns tantos anos perseverando, mantendo os pobres elepezinhos em cantinhos protegidos. Mas, nos meados dos anos 2000, já mais de dez anos passados, com lágrimas nos olhos, eu atino que a melhor coisa é mesmo a despedida... Adeus, vinis amados, adeus... Não haveria mais como ouvi-los, a “obsoletude” era mesmo o destino... Até os artesãos já começavam a usar o material em decorações... É... Adeus minhas bolachinhas pretas... Adeus... E lá se foram elas... Todas lançadas ao nunca mais, ao léu de lixos surdos por Naldos e Anitas... E AÍIIIIIIIIIII... (virada dramática) Ódio!... Qual é a nova moda do momento? Qual é o novo preto da estação em pleno 2014?... OS LPSSSSSSSS!!!!!... E eu... Eu não tenho mais NENHUMMMM!!!!!!.... Lembro de Carla Camurati na capa do LP da novela Fera Ferida e choro!... Lembro da figura louca da capa do LP do Information Society e choro!... Lembro de Nat King Cole sorrindo maliciosamente para mim na capa do LP e choro... Lembro de Michael Jackson, tão thriller, na capa do LP e choro... Lembro de Ney Matogrosso nuzão na capa dupla do LP e.... enfim... Lembro de Gigliola Cinquetti... E choro... Choro muito... Como diria Dalva... Tudo acabado entre nós, já não há mais nada... Só me resta assistir Globo de Ouro, no Viva, e... soluçar...

terça-feira, 28 de janeiro de 2014